Revolução Verde – o contexto histórico e suas heranças.

 Revolução Verde – o contexto histórico e suas heranças.

Introdução

A partir da década de 60, vários fatores contribuíram para que, de certa forma, a Revolução Verde ocorresse, desde o incentivo internacional à necessidade nacional. Nesse aspecto, não é por acaso que a região centro-oeste teve o aumento migratório a partir da década de 70, o qual se justifica , majoritariamente, aos incentivos fiscais aos latifundiários. Ademais, precisava-se dos coadjuvantes – os empresários – para possibilitar que os protagonistas da época desempenhassem o seu papel: os agrotóxicos, exterminando a fauna nativa, e a irrigação, facilitando a produção nos períodos de estiagem e maximizando a qualidade dos alimentos, embora questionável devido aos resíduos de agrotóxicos. Assim, uma série de transformações no contexto econômico nacional, bem como na configuração territorial que conhecemos hoje, foram influenciadas pelas transformações, não tão benéficas a longo prazo, iniciada há 60 anos.

Revolução Verde: meio ambiente; desertos verdes; impactos sociais.

O Brasil, por sua condição natural, tanto do clima quanto do solo propícios à agricultura, desde o início de sua colonização, teve a economia voltada para produção em latifúndios, como a produção de açúcar no nordeste, em solos massapé, ou a produção cafeeira, que obteve êxito na região sudeste.
No entanto, a partir da Revolução Verde, houve a intensificação do esgotamento dos recursos naturais, seja pela exaustão a que foram submetidos os recursos hídricos, seja pela biodiversidade devastada pelos agroquímicos, selecionadores artificiais das espécies, os quais intensificam gradativamente a ação dos invasores, produzindo seres resistentes às bases químicas produzidas.
Ademais, as tecnologias impostas ao meio ambiente não se condicionamapenas nos métodos citados, mas também na modificação genética das plantas, os chamados OGM (Organismos Geneticamente Modificados). Tais modificações implicam na formação dos desertos verdes, plantações imensas destinadas à produção de uma única espécie , tendo o seu material genético modificado para se tornar resistente aos agrotóxicos (herbicidas) que matam as outras plantas e os demais seres que tiverem no ambiente, impedindo na competição, deixando somente a cultura transgênicos viva no local. 
Não obstante, a maximização da produção, que potencializa a oferta e, por conseguinte, podem aumentar a procura, uma vez que os produtos tornam-se mais acessíveis, haja vista a abundância dos alimentos e o preço reduzido. Contudo, a acessibilidade à comida, de fato, foi propiciada, porém a fome, justificativa para institucionalizar métodos de produção duvidosos à saúde, não foi atenuada, visto que milhares de pessoas ainda não têm a nutrição adequada e, nem mesmo, a ingestão mínima diária preconizada. Ademais, a fome, no Brasil, advém das disparidades econômicas, da concentração monetária e da desigualdade social, herança histórica fermentada a cada período e ignorado a cada governo.
Embora, os impactos sociais sejam intensos, desde a maior disponibilidade de “alimentos” à seletividade de quem terá o acesso, outro fator primordial afeta a formação econômica e social, que são os impactos aos agricultores familiares, os quais, por sua condição logística limitada, tem de competir com os grandes produtores que possuem estrutura e poder econômico para distribuir seus produtos, abrangendo melhor o mercado, principalmente no que se refere à grande quantidade advinda do latifúndio. Enfim, as consequências são inúmeras, e muitas delas podem ser melhor entendidas na condição nacional anterior à Revolução Verde.

Contexto social e econômico do Brasil (década de 30)  

Para um observador externo, o cenário brasileiro não era satisfatório na década de 30, como retratado por Jorge Amado, em Capitães de Areia, no qual centenas de meninos viviam à margem da sociedade apenas sobrevivendo à fome, às epidemias e à escassez de tudo que uma infância deveria ter, ou como retratado por Graciliano Ramos, em Vidas Secas, na qual milhares de famílias nordestinas arriscavam-se migrando para o centro de oportunidades que era a região sudeste. No entanto, enquanto o Brasil condicionava os cidadãos a passarem por necessidades básicas, outros países como os da Europa e Estados Unidos, investiam em tecnologias de todos os tipos, desde bélicas à sanitárias.
Diante de tal cenário, mesmo com tantas características, humanitariamente retrógradas, uma profusão de desenvolvimento científico emergiu na década de 30. Porém, após o fim da Segunda Guerra Mundial, quase dois anos após a primeira publicação de Capitães da Areia, a hegemonia decorrente do início da guerra fria, fomentava a busca por desenvolvimento de todos os aspectos e, consequentemente, problemas como a fome começaram a protagonizar as pesquisas à época. Assim, países subdesenvolvidos têm um auxílio econômico dos Estados Unidos e da ONU para aumentar a produção e evitar a calamidade nutricional e, por conseguinte, diminuir a possibilidade da propagação do socialismo pela indignação proletária. 
Dessa forma, surge a Revolução Verde e começa a desencadear uma multiplicidade de modificações já no anômalo sistema de produção do agronegócio, associando produtos feitos pela obsolescente indústria química dos EUA, herdadas da Segunda Guerra Mundial, aos alimentos que seriam consumidos por milhares de pessoas. Nesse contexto, surgiram os agrotóxicos, tão mortíferos a longo prazo quanto os gases utilizados nas grandes guerras. Contudo, esta, como toda revolução, não foi diferente, ocorreu gradualmente, tendo seu ápice na década de 60.

Brasil: década de 60  

O Brasil, durante toda sua história, foi essencialmente voltado para produção de exportação, as commodities, ou seja, produtos primários oriundos da monoculturas. Assim, em meio à Revolução verde e à ditadura militar, tal situação não mudou , porém, durante o período houve a descentralização da unilateralidade da economia, surgindo indústrias e , consequentemente, gerando empregos. 
Não obstante, apesar de a indústria ter evoluído, a base da economia brasileira não foi abstraída, a agricultura continua sendo o seu principal sustentáculo. Nesse contexto, vale ressaltar o grande projeto de expansão das fronteiras agrícolas, iniciado na década de 1930 e que teve um grande impulso do governo militar, através da campanha “ leve seu rebanho para o maior pasto do mundo “, o qual seria a Amazônia, campanha esta iniciada há quase 50 anos. Esse projeto, possivelmente, poderá ser concretizado atualmente devido a negligência estatal e o desmonte das leis ambientais, iniciado com o atual governo. Além disso, estima-se que 5000 indígenas foram mortos devido a apropriação de terras que deveriam ser preservadas, durante o período civil militar, mas que foram destinadas aos latifúndios, muitas por grilagem, os quais foram patrocinados pela política de expansão da fronteira agrícola e o fomento internacional. Assim, nota-se a constância da devastação ambiental nacional, visto que a morte de indígenas continua vigente no país. 
Contudo, após o milagre econômico de 1968 a 1973, o bolo, como dizia Médici, cresceu , mas rapidamente transformou-se em dívidas externas, portanto, não foi dividido, ocasionando a concentração de renda e gerando uma dívida de 90 bilhões de reais, agravado pela crise do petróleo. Da mesma forma, a desigualdade foi agravada e a disparidade era alarmante. Em dez anos, o país diminuiu sua economia na mesma proporção de que a aumentou.
Novamente, o Brasil sustenta-se na economia agrária, investindo ainda mais na tecnologia e nos grandes latifúndios , fomentados pela surgimento de novas pesquisas que possibilitavam a irrigação mais eficiente e a produção com maior controle de pragas. As inovações na produção de alimentos calhou com a necessidade do país, haja vista a justificativa de acabar com a fome do mundo, o que dissimulava o objetivo da maximização da produção, desconsiderando os malefícios que acarretariam tanto para a agricultura familiar quanto para o meio ambiente.
 A década terminaria com o encolhimento do PIB, tendo 17 milhões de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia, que, como Macabéa, personagem principal de A Hora Da Estrela (1967), de Clarice Lispector , comiam apenas uma refeição de salsicha e pão todos os dias para adquirir o valor energético mínimo para sobreviver, em plena época em que a fome deveria ser atenuada.

 Revolução verde – após a década principal  

Em 1980, Raul Seixas, em sua música “ Alugas-se”, expõe a desesperança nacional na recuperação econômica, afirmando “ não vamos pagar nada/ A solução é alugar o Brasil “ , trecho que revela a insuficiência e a carência do país, agravada pela dívida externa bilionária. Além disso, em 1981, o país tem o encolhimento do produto Interno Bruto (PIB) em -4,3% e, em 1983, 30 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. 
Quarenta anos após a calamidade econômica nacional, em 2021, ainda há a centralização monetária nos produtos primários, que exigem maior demanda de terras a cada ano, transformando biomas em resquícios naturais e sociedades indígenas em flagelos dos seus direitos. Vale ressaltar, o dado alarmante da revista “Now Earth” de que a Amazônia passa emitir mais gás carbônico do que absorve, dados retirados em julho do de 2021. Assim, nota-se a devastação étnica e ambiental em função da economia, mesmo que essa também esteja em frangalhos.  
Outrossim, após passar a década de transformações, o conhecimento a respeito das modificações climáticas e atividades antrópicas para contribuição da situação, levou com que muitas pessoas discordassem do método de produção vigente, visto que a monocultura, assim como a exaustão dos recursos hídricos para produção exarcebada, levaria a extinção da biodiversidade e, consequentemente, a extinção da vida na Terra. Nesse contexto, surgiu a Bioética , que teve como percursor o bioquímico Van Rensselaer Potter, o qual ressaltava o desejo de “ um movimento mundial que torne possível a sobrevivência e o aprimoramento do desenvolvimento da espécie humana em harmonia com o meio ambiente natural e com toda humanidade”. Além disso, Potter evidenciou a fundamentalidade das “Pontes” , as quais uma delas está a “ ponte entre ciência e valores, para que uma nova disciplina combine conhecimentos biológicos com o conhecimento de valores humanos”. 
O desejo de Portter foi, gradualmente, tornando-se realidade, uma vez que, no Brasil hodierno, de tantas formas retrógrado, ao contrário do esperado, de certa forma, evoluiu, possibilitando jovens de todo o país a conseguirem ensino que associe ética e vida: a Agroecologia. Dessa forma, a deformidade da produção de alimentos atual deve ser mitigada para que as heranças da Revolução Verde não sejam irreversíveis. 
 MARIA FERNANDA VEIGA



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