Plantas Medicinais como cultura indígena e emancipação feminina

 Plantas Medicinais



Plantas medicinais: as vertentes invisíveis na sociedade. 
   O disperso conhecimento a respeito das plantas medicinais provoca o entendimento anômalo do seu desempenho tanto no cenário nacional quanto mundial, o que, muitas vezes, provoca o menosprezo ou a anulação da sua importância. Dessa forma, primeiramente, vale ressaltar que uma mesma planta pode ser comercializada de diferentes maneiras, porém seu princípio ativo é o mesmo, ainda que esteja como chá, – o qual não precisa de regulamentação – , ou como uma droga vegetal, que pode ser chamada como fitomedicamento ou fitoterápico, a qual necessita do registro na Anvisa, ou seja, a legislação aplicada à comercialização
Não obstante, a importância econômica de tais produtos é importante para economia mundial, visto que, segundo a Embrapa (2006), o mercado de fitoterápicos está estimado em 12,4 bilhões de dólares, o que representa 5% do mercado internacional de produtos farmacêuticos. Deste montante, 355 milhões de dólares são gerados a partir de espécies vegetais brasileiras. Assim, explica-se o motivo de a expressão “ farmácia a céu aberto” , referente a Flora nacional, possuir um significado literal, evidenciando a essencialidade de sua preservação.
No entanto , estima-se que 40% dos medicamentos atualmente disponíveis foram desenvolvidos direta ou indiretamente a partir de fontes naturais. Isso significa que os conhecimentos difundidos há milênios foram base para evolução farmacológica atual, direcionando o caminho para comprovação dos efeitos das plantas e, posteriormente, a sua comercialização.

Indígenas: o conhecimento milenar que garantia “os corpos grandes, quadrados, bem-dispostos e proporcionais”

De certo, é compreensível que a mescla de conhecimentos surtiu uma série de benefícios à humanidade pela propagação daquilo que anteriormente ficava restrito a uma região. Um intercâmbio de conhecimentos de elevada importância para a formação da atualidade foi a invasão europeia no continente americano, onde, segundo eles, a terra celestial, bem como a inocência nativa, era uma grande atração para o padrão a que estavam acostumados. Por mais poético que possa parecer do ponto de vista europeu, as trocas, para os indígenas, não foram boas em nenhum aspecto.
Outrossim, é fundamental destacar que, até mesmo para observadores desacostumados, o cenário nacional era ambientalmente diversificado, o que contribuiu para que a vida nativa fosse propiciada pela variedade e qualidade alimentar. Ademais, até mesmo nas guerras, como descrito por Laurentino Gomes em seu livro Escravidão, vol. I – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares (2019), “em algumas regiões, usavam arcos e flechas com pontas de ferro preparadas com uma erva chamada Strophanthus hispidus, um veneno altamente letal, capaz de matar uma pessoa entre dez e trinta minutos depois de alvejada.” Isso evidencia o potencial advindo dos conhecimentos nativos referente a sua flora, contribuindo, até mesmo, na defesa de seus territórios.
Todavia, não foi gratuitamente que o perspicaz correspondente da coroa portuguesa relatou que “Todas as árvores são odoríferas e cada uma emite de si goma, óleo ou algum líquido cujas propriedades, se fossem por nós conhecidas, não duvido que seriam saudáveis aos corpos humanos.” De fato são, mas, embora seus princípios ativos sejam transcendentes, segundo as tribos indígenas, não foram capazes de conter a calamidade instaurada pelas guerras biológicas disseminadas pelos lusitanos, por serem novidades ao sistema imunológico nativo, assim como, os seus portadores, à razão dos mesmos.
A chegada dos ibéricos trouxe consigo uma série de doenças jamais conhecidas pelos indígenas, o que contrastava com o cenário onde “nunca houve peste ou outra doença oriunda da corrupção do ar”, segundo o que o Caminha constatou.Ademais, não é impressionante que em uma sociedade que tomava em média dois banhos anuais causaria uma calamidade aos nativos, os quais tomavam cerca de oito banhos diários e tinham, de acordo com o mesmo fidalgo português já citado, “os corpos grandes, quadrados, bemdispostos e proporcionais”, provenientes dos bons hábitos alimentares e atividades físicas praticadas periodicamente e fomentadas pela necessidade, contudo, desacostumados às doenças oriundas da precariedade cosmopolita.
Entretanto, ao longo do séculos, grandes perdas no contingente populacional indígena resultou também na perda, em parte, do conhecimento e das variedades de saberes pelas diferentes tribos aqui viventes e, principalmente, foi com os primeiros contato, “entre 1559 e 1562, que uma epidemia de varíola varreu a costa brasileira. Na Bahia, matou mais de 70% de todos os índios aldeados nas fazendas dos jesuítas. No Espírito Santo, seiscentos indígenas pereceram em um período tão curto que foi necessário enterrar dois corpos por cova. Um número provavelmente maior foi dizimado entre os índios livres.” Desde então, os indígenas têm de sobreviver às adversidades que lhes são impostas, mesmo que precariamente e, atémesmo atualmente, com a epidemia de COVID-19, eles se reinventam e buscam o auxílio da natureza, como os Sateré-mawé, retratado pela AFP Português. 

Afrodescendentes e a cultura exportada: a independência feminina por meio dos conhecimentos fitoterápicos.  

É notável que toda sociedade possui hábitos e costumes que definem sua característica, dentre eles está a forma com que lidam com os recursos disponíveis na natureza, bem como as doenças que os assolam. Não foi diferente no caso dos africanos que, em parte dos trazidos para América, eram de ascendência iorubá, ticar, ambundo, libolo ou fons, isso significa que uma infinitude de culturas foram agregadas em um mesmo território e , por conseguinte, os conhecimentos medicinais oriundos das mais diversificadas plantas, bem como sua forma de utilização.
Não gratuitamente, os conhecimentos disseminados informalmente por meio da figura estereotipada “por aquela estranha superstição europeia de que todo o negro ou gente colorida penetra e é sagaz para descobrir as coisas malignas e exercer a feitiçaria”– como Linda Barreto descreveu em Triste Fim e Policarpo Quaresma – foram impulsionadas pela crença idílica e sobrenatural do uso das plantas Medicinais, cujo as propriedades jamais foram vistas pela população europeia à época. De fato, os tratamentos feitos pelas comunidades africanas ou indígenas, em suma, tinham ligação com a crença de que cultivam, mas isso não atenua a magnitude do conhecimento para o fortalecimento imunológico das populações, pelo contrário, maximiza o potencial de cura das plantas como celestial para os tidos como “selvagens”.
Diante disso, vale ressaltar a obra literária de Lima Barreto – Triste fim de Policarpo Quaresma – e de Jorge Amado – Capitães da Areia – , as quais, apesar de serem produzidas em épocas distintas, a primeira em 1915 e a segunda em 1937, retratam a presença negra de essencial importância para o tratamento dos necessitados, como pode ser observado nos trechos: “Não havia quem como ela soubesse rezar dores, cortar febres, curar cobreiros e conhecesse os efeitos das ervas medicinais: a língua-de-vaca, a silvina, o cipó-chumbo — toda aquela drogaria que crescia pelos campos, pelas capoeiras, e pelos troncos de árvores. Além desse saber que a fazia estimada e respeitável, tinha também a habilidade de assistir partos”; “Quando tinha um doente ela trazia remédios feitos com folhas, tratava dele, muitas vezes curava.”
Sinhá Chica – primeira citação – era o alento da comunidade rural na qual Policarpo morava, com a “terapêutica fluídica ou herbácea de sinhá Chica atendia aos miseráveis, aos pobretões”. Ademais, apesar de remota, as realidades descritas pelos literatos persistem em várias localidades no Brasil, desmitificando o estigma médico elitizado ao promover tratamento que se encontram em vulnerabilidade, fazendo de conhecimentos herdados um paliativo do desalento. Já Don’Aninha era todos os recursos de que detinham os Capitães, os quais, embora parte das suas dificuldades proviessem da miséria, o tratamento e acompanhamento da experiência da “mãe-de- santo”, muitas vezes, os salvavam.
No entanto, apesar de essenciais e fundamentais , essas mulheres que se dissociaram da função secundária pelo patriarcalismo difundido no cenário nacional, conseguindo, ainda que precária, uma independência de seus maridos ou pais, ainda não obtém a importância de que precisam, sendo restritas, muitas vezes, ao conceito pejorativo de que seus conhecimentos são inválidos, embora, com frequência, suas aplicações estejam de acordo com a ciência. Não somente, as plantas medicinais sempre foram uma fuga feminina da opressão, até mesmo na Idade Media europeia, na qual as mulheres que detinham conhecimentos fitoterápicos , contrariando a Igreja, eram tidas, constantemente, como bruxas e mandadas para a fogueira. Dessa forma, ainda que se esteja em diferentes sociedades ou em diferentes séculos, o que é diferente, ciclicamente, é mal entendido pela falta de disseminação e de explicação, condenando muitos à ignorância.
Portanto, a presença das plantas medicinais no cenário nacional é secular, apesar de mitificada ou estereotipada, somando conhecimentos dos mais variados. Assim, a abrangência que encontramos hoje nas farmácias biológicas são resultados do conhecimento milenar oriundo dos mais diferentes povos e costumes. Conclui-se que a vastidão do assunto pode ser analisada por vários aspectos, contudo, ao sistematiza-lo, nota-se que está intrínseco no país, provocando melhor qualidade de vida há milênios. 

Bibliografia 
Fontes citadas ou utilizadas no texto: 

GOMES, Laurentino. Escravidão, vol. I – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Rio de Janeiro: Globolivros, 2019. 
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia de Bolso, 2020. BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Penguim, 2011. 
SAÚDE, Ministério da. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Assistência Farmacêutica. Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapicos. Brasília-DF, 2006.
FERREIRA, Maria das Graças – EMBRAPA. Aspectos sociais da fitoterapia. Porto Velho, RO, 2006

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