Agrotóxicos – o tortuoso caminho da produção agrícola no Brasil.

 Agrotóxicos – o tortuoso caminho da produção agrícola no Brasil.

Introdução

Hodiernamente, há uma palavra constantemente associada à produção de alimentos e que possui vários eufemismos para amenizar a sua morfologia , a qual apresenta uma fundamentação temerária. Alguns exemplos de sua variação estrutural são os agroquímicos, fitosanitários, defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, inseticidas, fungicidas e herbicidas. Embora haja tais modificações na forma, a definição dos agrotóxicos sempre será a mesma em tese: qualquer produto de origem química ou biológica usado na prevenção ou extermínio de pragas e doenças das culturas agrícolas.
Outrossim, vale ressaltar que, conforme a população mundial cresce, também cresce o incentivo ao uso dessas substâncias. Assim, cria-se um mito de que os agrotóxicos não podem ser dissociados da produção mundial de alimentos, ainda que a ciência e as novas tecnologias demonstrem o contrário. No Brasil, por ter a sua economia voltada, majoritariamente, para a produção de Commodities, é fomentado a utilização dos produtos que corroem a vida e menosprezam a diversidade biológica em benefício do lucro, da globalização alimentar e da exportação.
Contudo, apesar de ter havido o encolhimento industrial no país, é notório que a influência econômica proporcional do agronegócio ainda é reduzida, se comparado com outros setores. Isso se deve à depreciação dos produtos primários, que apesar de exercerem papel fundamental na sociedade, possuem baixo valor agregado, o que justifica a queda monetária brasileira, visto que, economicamente, o Brasil está cada vez mais voltado para a agricultura empresarial e, consequentemente, para a utilização dos agrotóxicos, haja vista o a isenção fiscal de tais substâncias associada à produção de alimentos em larga escala. 
Ademais, vale ressaltar que a toxidade de tais produtos químicos está dividida de um a quatro, sendo o primeiro extremamente tóxico e o quarto pouco tóxico. Assim, faz-se essencial evidenciar que o projeto de Lei, número 6299, flexibiliza o registro dos venenos , para que os pesticidas possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura antes do aval do IBAMA e da vigilância sanitária, propiciando que produtos mortíferos sejam mais fáceis de serem adquiridos. Dessa forma, institucionaliza-se o descaso com a saúde humana e a depreciação do Meio Ambiente perante os órgãos governamentais brasileiros.
Diante disso, embora o Brasil não esteja entre os três maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, encontrando-se em 8º lugar, segundo a FAO ( organização para a Alimentação e Agricultura), a utilização desse produto é exacerbada, visto que não se contabiliza a quantidade em si, mas, sim, os impactos que eles causarão. Dessa forma, apesar de outros países liderarem o ranking mundial, a biodiversidade e os brasileiros arcam diariamente com a presença de tais substâncias em seu cotidiano. 
Não obstante, se levado em consideração a justificativa de que tais produtos contribuem para a minimização dos custos e a potencialização do acesso à comida, visto que aquilo que leva agrotóxicos em sua composição não pode ser chamado de alimento, mas, sim, de algo comestível, desconsidera-se que a maior parte daquilo que consumimos advém da agricultura familiar e não dos grandes latifúndios, que destina a sua produção à exportação. Entretanto, em relação ao custo, de fato, pode haver uma diferença monetária, mas que está associada a diversas questões, desde o incentivo fiscal aos latifundios e às indústrias químicas até o menosprezo daquilo que é benéfico para todos os ecosistemas. 

Agrotóxicos: o detrimento da biodiversidade. 

Os venenos são maléficos para o meio ambiente de várias formas e, por conseguinte, para o seres humanos, além de serem responsáveis pela extinção de espécies e pela degradação da diversidade.  Sumariamente, vale ressaltar os malefícios provocados na água, essencial para a vida na Terra. Os agroquímicos atuam diretamente na eutrofização dos recursos hídricos, visto que a lixiviação ou a erosão do solo leva resíduos químicos para os afluentes, tornando-os ricos em nutrientes, fazendo com que as algas superficiais tornem-se exacerbadas e impeçam a fotossíntese subaquática, ao bloquearem a passagem de luz. Assim, as demais plantas aquáticas morrem e, consequentemente, desestrutura a cadeia alimentar, já que o primeiro nível trófico perecerá.
Não obstante, o solo é essencialmente prejudicado pelo uso dos venenos, visto que os mesmos causam a saturação do local, desencadeando a morte de micorriza, a redução da biodiversidade do solo, o aumento da acidez entre outros problemas. Ademais, o ar, por sua característica volátil e de fácil disseminação, torna as consequências dos agrotóxicos ainda mais severas, pois atinge territórios em que há a presença de seres humanos e outros animais, fazendo com que afetem-nos diretamente. 
O somatório de tais maleficios, ocasionados pelos agrotóxicos, prejudicam a fauna e a flora progressivamente, visto que degradam as espécies que não deveriam ser atingidas, fazendo com que haja a seleção de espécies resistentes, reduzindo drasticamente as populações mais vulneráveis. Isso pode ser visto nos malefícios causados às abelhas, pois os polinizadores tiveram sua população minimizada em consequência dos venenos. 

Embasamento histórico para fortificação da utilização dos venenos

Apesar de os agrotóxicos serem relativamente novos, a plantação de produtos agrícolas é secular, visto que o primeiro rendimento em solo nacional, ainda que destinado à metrópole, foi proveniente do cultivo de açúcar. No entanto, isso não significa que o Brasil passou por diversos percalços para adaptar, em sua maioria, as espécies estrangeiras em solo nacional, ocasionando a extinção das espécimes nativas. Isso se deve, majoritariamente, à ausência de incentivo para novas técnicas, restringindo a produção à convenção. Assim, ignora-se os diversificados métodos de produção existentes, ainda que benéficos ao meio ambiente e ao ser humano. 
Na obra literária de Lima Barreto, O Triste Fim de Policarpo Quaresma, o personagem principal que dá título ao livro tenta investir no agronegócio, mas descobre que o caminho é tortuoso e, após perdas significativas no capital, acaba desistindo do investimento. Apesar de ser uma ficção, a literatura retrata essencialmente o dilema vivido pelos brasileiros, uma vez que, apesar de instruído, Policarpo se enganou ao considerar uma falácia , como muitos outros, a respeito das condições naturais nacionais, com terras tão férteis, climas variados, a permitir uma agricultura fácil e rendida, descaminho estava naturalmente indicado !. No entanto, apesar de o Brasil, em sua característica tropical, apresentar , à primeira vista, suscetibilidade a produção, nenhum solo sustenta a exaustão e o manejo inadequado.
Nesse aspecto, é justificável os dilemas passados pelo personagem principal pela insciência das necessidades do solo, demonstrando a vulnerabilidade do produtor. O mito de que só se pode produzir com auxílio dos venenos, muito difundidos pela Revolução Verde , ainda que haja métodos de produção que cumpram com as exigências do mercado e protegem o meio ambiente, como os sistemas agroflorestais, por exemplo . Assim, as anomalias da produção agrícola são institucionalizadas desde o início do século XX, contexto no qual foi publicado o livro, ocasionando o êxodo rural pela desesperança da retirada do sustento da terra. Dessa forma, os latifúndios ganham cada vez mais espaço, juntamente com os venenos. 
Portanto, os métodos vigentes de produção, cada vez mais fomentados pelo governo, são heranças da ignorância, haja vista que ao importar espécies e métodos agrícolas para uma região, que possui diferentes características, não só é um erro, mas também é desnecessário. No Brasil, criam-se reféns da utilização de produtos químicos maléficos a todos os envolvidos, principalmente, pela unilateralidade dos métodos produtivos e a insuficiência na disseminação da produção agroecológica.
Sendo assim, como descrito por Policarpo perante o descaso governamental relativo “aquelas terras [ área rural Nacional] abandonadas, improdutivas, entregues às ervas e insetos daninhos”, o país propulsiona , a medida que os produtores rurais veem o seu sustento comprometido, a inserção dos agrotóxicos, condenado os que se recusam a homogeneizar à necessidade. Não obstante, vale citar Flores do Mal, de Charles Baudelaire, naqual na poesia O Irreparável, está a passagem ! No céu negro lodoso afinal jamais arde!/quem rasga a escuridão / Mais densa do que o pez, sem manhã e sem tarde,/ Sem astro ou fúnebre claro? / um céu negro e lodoso afinal jamais arde!”. A passagem expressa a irreversibilidade daquilo que já foi consumado, da mesma forma para que não haja o perecimento daquilo que ainda temos, faz-se necessário mudar os padrões de produção para beneficiar a todos. 

“[…] nos colocando em um dilema em que parece que a única possibilidade para que comunidades humanas continuem a existir é à custa da exaustão de todas as outras partes da vida ” 
Ideias Para Adiar o Fim do Mundo – Ailton Krenak. 

Direito natural. Direito positivo. Véu da Ignorância. Kuhn.  

A partir da análise dos direitos, nota-se que as questões dos agrotóxicos são mais complexas do que se espera, visto que a partir do direito natural, os “comandos prescrevem ou proíbem atos essencialmente bons ou maus por si mesmos”, segundo a teoria do direito, ou seja, a utilização dos venenos, por ser sumariamente má, não deveria ser introduzida no contexto social. 
 Contudo, a partir do direito positivo, os comandos prescrevem ou proíbem atos que são bons, porque ordenados por lei, e maus, porque proibidos por lei. Nesse aspecto, os compostos químicos, por serem admitidos na legislação, automaticamente estariam conforme os preceitos ideais. Entretanto, a instrução social é necessária para que se construa um poder ativo do cidadão, podendo diferenciar aquilo que lhe é intrínseco e inato, que é a asseguração da saúde e do alimento de qualidade. Desse modo, ao instruir os indivíduos a respeito daquilo que consome, preserva-se a autonomia e a constituição do “comer” como ato político e não somente o objetivo nutricional, para que, assim, haja a conscientização dos malefícios acarretados pelo aumento do uso dos venenos.
Não obstante, o Véu da Ignorância, de Ralws, defende que, para a construção de uma Constituição que proteja todos os indivíduos, deve-se priorizar a ignorância da sua situação, para que se projete a igualdade a partir da ausência. Ou seja, ao desconhecer questões como os privilégios de gênero, raça, etnia, condição econômica, entre outros, constrói-se uma sociedade igualitária. Com relação à questão da utilização dos agrotóxicos, isso se enquadra da mesma forma, uma vez que aqueles que se encontram em uma relativa distância, não prezam por aqueles que estão em contato diariamente com os venenos, institucionalizando o apartamento do dever e da ética individual e propiciando a indiferença e o sofrimento alheio. Portanto, Kuhn afirma que “os cientistas aderem por conversão ou persuasão o que consideram ser o melhor paradigma para continuar a fazer ciência, no qual o quadro daprogressão da ciência pode ser assim descrita: pré-ciência; ciência normal (paradigma); criserevolução; nova ciência normal (paradigma)”. 
Pode-se dizer que, após a Revolução Verde, almeja-se o distanciamento daquilo que minimiza e deteriora a vida, isso pode ser feito por meio da Agroecologia, uma nova ciência, uma nova forma de viver, uma nova forma de pensar.  



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